Fibra capaz de detectar campos magnéticos extremamente fracos é produzida na Unesp

19/08/2021 Fibra capaz de detectar campos magnéticos extremamente fracos é produzida na Unesp 
Preforma de vidro irradiada com laser azul (emissão de luz verde proveniente de transições eletrônicas do Tb3+). A preforma é a precursora das fibras (foto: acervo dos pesquisadores)

Uma fibra magneto-óptica capaz de detectar campos magnéticos extremamente fracos foi desenvolvida no Laboratório de Vidros Especiais (LaVie) do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp), no campus de Araraquara. No rol das aplicações possíveis, destacam-se o sensoriamento da atividade cerebral, com uma sensibilidade superior à dos detectores atuais, baseados na variação da corrente elétrica; a previsão de atividade vulcânica, com base no monitoramento de flutuações magnéticas no magma; e a detecção de submarinos.

Artigos descrevendo os experimentos foram publicados nos periódicos Scientific Reports e Journal of Materials Research and Technology.

“Nossa fibra é tão sensível quanto os cristais magneto-ópticos utilizados no interferômetro do experimento LIGO [Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory, dos Estados Unidos], responsável pela primeira detecção de ondas gravitacionais. E apresenta duas vantagens adicionais: é muito mais barata e pode ser obtida em vários comprimentos, estendendo-se eventualmente por centenas de metros, o que a torna bastante conveniente para determinados tipos de sensoriamento”, diz a Agência FAPESP o químico Marcelo Nalin, professor do IQ-Unesp e coordenador do estudo.

O LaVie é vinculado ao Centro de Pesquisa, Educação e Inovação em Vidros (CeRTEV), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP sediado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O trabalho também recebeu financiamento por meio de Bolsa de Pós-Doutorado e de Bolsa de Estágio de Pesquisa no Exterior concedidas a Douglas Faza Franco. Participaram pesquisadores da UFSCar, da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade de Brasília (UnB) e da Université Laval (U-Laval), do Canadá.

Como informam os artigos, a fibra é constituída por um vidro composto por vários óxidos, principalmente os óxidos de germânio (GeO2) e boro (B2O3), com alta concentração de íons de térbio (Tb3+). E, como já foi dito, se presta à detecção de variações mínimas do campo magnético.

“A análise morfológica da amostra com maior concentração de íons de térbio confirmou que estes se distribuem homogeneamente, sem formar nanoaglomerados. Além disso, todas as amostras apresentaram excelente estabilidade térmica contra cristalização, o que é uma questão crítica quando se trata de fibras ópticas”, conta Nalin.

O fenômeno físico por trás do funcionamento do dispositivo é o chamado Efeito Faraday, descoberto em meados do século 19 pelo grande físico inglês Michael Faraday (1791-1867). Firmemente convencido de que a luz era um fenômeno eletromagnético, Faraday buscou evidências de que seu comportamento poderia ser afetado por forças elétricas e magnéticas. Os experimentos que pôde realizar na época não foram suficientemente sensíveis para a detecção do efeito produzido pelo campo elétrico – o que só veio a ser feito mais tarde. Mas, após várias tentativas experimentais, ele conseguiu efetivamente demonstrar o efeito produzido pelo campo magnético sobre um feixe de luz polarizada que atravessava um meio vítreo.

“O que acontece quando a luz polarizada atravessa o vidro, em presença de um campo magnético, é que seu plano de polarização sofre uma rotação em torno do eixo de propagação. E o ângulo de rotação é diretamente proporcional à intensidade do campo magnético e à distância percorrida pela luz”, explica Nalin.

A equação matemática que descreve o fenômeno é muito simples. E pode ser escrita da seguinte maneira: θ = V.B.L. Na fórmula, θ (a letra grega “teta”) é o ângulo de rotação da polarização da luz; V é uma constante, a Constante de Verdet, que depende do material que compõe o vidro; B é a intensidade do campo magnético; e L é a distância percorrida pela luz enquanto sofre o efeito do campo magnético.

“Quando se observa essa equação, fica fácil perceber uma vantagem a mais proporcionada pelo uso de fibra óptica. Porque, como a distância [L] percorrida pela luz no interior da fibra é muito grande, mesmo uma variação extremamente pequena do campo magnético [B], como ocorre nos fenômenos cerebrais, seria capaz de produzir uma rotação mensurável [θ] na polarização da luz. Medindo-se o ângulo de rotação, é possível estimar o valor do campo magnético”, comenta Nalin.

A passagem do experimento de bancada à fabricação de dispositivos para uso prático demanda, é claro, todo um desenvolvimento tecnológico. Mas os pesquisadores já especulam que, enquanto em uma atividade como o sensoriamento de vulcões a fibra poderá ser utilizada de forma estendida, aprofundando-se eventualmente por centenas de metros no subsolo, em outro uso, como o sensoriamento cerebral, ela deverá ser talvez enrolada na forma de um capacete, disposto sobre o crânio do paciente.

O artigo Magneto-optical borogermanate glasses and fibers containing Tb3+, publicado em Scientific Reports, pode ser acessado em: www.nature.com/articles/s41598-021-89375-1. E o artigo Fundamental studies of magneto-optical borogermanate glasses and derived optical fibers containing Tb3+, publicado no Journal of Materials Research and Technology, está disponível em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2238785421000107?via%3Dihub.
 
Source: https://bit.ly/2VXpViH, via José Tadeu Arantes | Agência FAPESP 
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